sábado, outubro 31, 2009

Desço a escadaria devagar, como se cada passo enfurecesse a dor acutilante que me esmaga o peito. Fecho cuidadosamente a porta depois de sair para que não bata. Os vizinhos odeiam-no e também a mim me enfurece. Respiro fundo e espero que o vento fresco me inunde a face antes de iniciar a derradeira caminhada.
Podê-la-ia fazer de olhos vendados de tantas que foram as vezes que trilhei estes caminhos, mas hoje, por alguma razão tudo me parece diferente. Pesam-me os pés, as lágrimas turvam-me a visão e surpreendo-me ao constactar que tudo aqui parece ter uma historia para contar, um pedaço da minha vida cautelosamente guardado nas intermitências de um passado feliz.
Poderia jurar ter nascido aqui, entre o constante sibilar do vento e o bailado de um moliceiro fazendo diariamente as delícias dos turistas. Julgar-me-ão louca, bem sei, ou não tivesse eu pisado pela primeira vez este solo há apenas um ano atrás. Mas quantos anos valerão os momentos que aqui passámos? Quantas décadas? Quantas décimas de valor, dessas que nos decidem o futuro e nos hierarquizam a essência, para tão sabiamente servir a mesquinhez desta sociedade? Poderiamos tutoriar sobre o assunto, como só nós sabemos. Sim! Fa-lo-emos certamente um dia, quando arrancar a bata branca e me fartar de brincar aos médicos.
Ainda assim, deixo-me subitamente tomar por um doce sorriso capaz de abarcar o mundo, ou não fosse esta a melhor forma de formalizar este adeus.




É curioso como nem sempre as decisões mais acertadas são desprovidas de dor e tormento, mas quando a hora chega, há que espraiar as asas e rumar a novos horizontes.

Sem comentários: